XI Panorama Internacional Coisa de Cinema – Segunda (02/11/2015) –

Aubade

Um poema visual que parece abdicar de mensagem ou significado mais sólido, ao invés disso aposta na experiência pela experiência; um barato audiovisual por excelência. E nunca se torna chato ou maçante, de alguma forma há sempre um interesse visual proveniente da sua bela animação, que representa movimentos hipnóticos e belíssimas paisagens. Sua curta duração também ajuda neste sentido. A música bastante rítmica e a montagem precisa criam uma frequência de belas imagens que conquistam quem as assistem; se isto se sustentaria por mais cinco minutos, difícil saber, mas que se sustenta pelos seus cinco, com certeza.

Direção: Mauro Carraro
Duração: 
5 min.
Ano: 
2014
País: Suiça

 

Giz

As galinhas assumem o lugar dos humanos aqui. O ambiente é a cidade caótica, cheia de tráfego e lotada. O tom é de pesadelo, na verdade é isso que acontece com o protagonista desta história. Ele (corpo de ser humano e cabeça de ave) que tem uma vida sem graça, sonha ser um galo parado entre linhas de giz. O paralelo é interessante, a abstração do sistema capitalista atual que envolve esquemas e títulos que por vezes parecem surreais, como no vai e vem entre sonho e realidade. Há também a relação com a linha que é traçada para hipnotizar o galo, no seu pesadelo. Ele parece seguir esta trajetória passo-a-passo, mesmo sem saber quem a traça, numa alusão esperta das classes dominantes; o topo da pirâmide desse grande esquema.

Direção: Cesar Cabral
Duração: 
10 min.
Ano: 
2015
País: Brasil

 

Pig

Este curta metragem é perturbador, mas esse é um sentimento difícil e extremamente propenso a reflexão que de fato acontece nos curtos três minutos de duração deste filme. Através de uma animação de rabiscos, e majoritariamente preto e branca, vê-se um homem correndo atrás de um porco. O homem é composto de forma expressionista por partes do corpo humano. Os pés, as mãos e a cabeça, que é constituída por uma enorme boca no centro. Essa boca é importante dentro dessa pequena situação, já que o homem aparentemente visa abocanhar o suíno. Persegue o bicho vorazmente com requintes de perversidade. Ele grita “Pig!!!” insanamente, cada vez de maneira mais estranha e gutural. Em um ponto é difícil distinguir quem é mais animal dos dois, e ai parece residir o ponto central do filme. Em algumas das atitudes humanas revela-se seu lado mais animalesco, e ai se torna difícil distinguir ser humano de bicho.

Direção: Steven Subotnick
Duração: 
3 min.
Ano: 
2015
País: EUA

 

Sonámbulo

Imagens coloridas de formatos geométricos e padrões de movimento repetido aparecem uma atrás da outra neste filme hipnótico. Essa qualidade é tão forte que é difícil tirar o olho da tela por um momento sequer, e isso sem falar da música; um padrão de tango que remete a agitação e a repetição das imagens. Tudo parece remeter a um estado de transe profundo, onde a agitação mental é grande; a aparente sensação de ser sonambulo. Realmente interessante, mas isto me fez pensar na necessidade da história, nem que seja um fiapo dela. Um sentimento parecido que tive com outro curta da mostra, Aubade. Se sustentaria por mais de quatro minutos? Pelo que me parece, é necessário pelo menos uma migalha de história para que as pessoas se sintam compelidas a assistir o filme. Talvez isso possa ser contraposto por outro aspecto, e certamente isto me soa muito interessante, mas nunca vi um filme que fizesse isso por completo.

Direção: Theodore Ushev
Duração: 
4 min.
Ano: 
2015
País: Canadá

 

The Five Minute Museum (O Museu em Cinco Minutos)

As imagens aparecem não de segundo em segundo, mas de quadro em quadro; num ritmo insano elas abdicam de significado individual para se amalgamarem num coletivo. A própria lógica do museu é representada aqui, visto que as obras formam um significado conjunto para traduzir uma época da humanidade. Em cinco minutos, como descrito no nome do curta, assistimos a várias seções representadas por centenas de imagens que vão surgindo. Acompanhadas por música que reflete a época dos objetos mostrados, constrói-se a sensação na imagem e no som. Através de Raccords (continuidade) inteligentes, as imagens criam um ponto de atenção, e mesmo com a altíssima velocidade não há confusão de qualquer tipo. O cineasta alcança com eficiência o que propõe no título.

Direção: Paul Bush
Duração: 
6 min.
Ano: 
2015
País: Suiça/Reino Unido

World of Tomorrow (Mundo de Amanhã)

A animação em palito dos personagens de Don Hertzfeldt revelam economia. Característica essa que é oposta nos temas e diálogos do curta. Há tantas coisas para se falar que torna-se obrigatória a seleção de temas. O medo pareceu-me um dos mais fortes e robustos; A história dessa menininha que vive no mundo futurista, logo revela-se como a vontade do seu eu do futuro de continuar vivendo e lembrando. Parece confuso, e é um pouco, já que são tomadas liberdades criativas, mas tirando o suporte científico não há nada de tão estranho assim. As pessoas no espaço-tempo do filme conseguiram arranjar uma maneira de viver para sempre através da clonagem e da memória. A mulher resolve se encontrar com seu eu do passado, a garotinha, para resgatar uma memória em particular; Um encontro com a sua mãe. Deixando a incrível beleza e simplicidade de lado há uma conotação evolucionista nisso, visto que neste universo a memória é a sobrevivência, e no momento em que a mulher do futuro egoistamente rouba uma memória do seu eu do passado, está realizando uma ação em prol de si mesmo e de certa maneira, por medo da morte.

Aqui, quebro o limite de um parágrafo para curtas, mas é por um bom motivo. Mesmo que soe desconexo, acredito ser importante compartilhar isso e até um pouco egoísta, já que este foi um dos momentos que mais me marcou em todo o festival. Em uma passagem a mulher do futuro explica sobre os robôs que eram programados para trabalhar na lua, a muito tempo atrás. Funcionando a base de energia solar, eles sempre caminhavam contra a sombra que se projetava no satélite da terra. Ela conta que um dia eles pararam de funcionar, e os cientistas os programaram para achar que se ficassem parados na sombra, algo terrível aconteceria com eles. “E eles continuam caminhando até hoje”, diz a mulher; uma representação do poder que o mito e o desconhecimento têm de controlar o ser humano; basta olhar que ainda hoje, somos permeados por mitologias diversas que alteram as vidas das pessoas em várias instancias. Um dos momentos mais fortes do festival para mim, até agora.

Direção: Don Hertzfeldt
Duração: 
17 min.
Ano: 
2015
País: EUA

A Dez Prédios de Distancia (Ten Buildings Away)

A história de uma família israelense torna-se veículo para tratar de uma crescente do mundo contemporâneo; A falência da família como referência para os jovens e crianças. A quebra desses modelos é triste, mas necessária; os irmãos parecem nunca ter tido uma visão idealizada dos pais e estão no processo de quebra desta visão, porém quanto mais o tempo passa, mais eles têm expectativas quebradas, e a partir daí vão conhecendo o mundo e a natureza humana. O que é mais duro, é que esse é um dos problemas que os meninos terão de enfrentar, já que os prédios cinzas, rachados e enclausurados revelam através da sua superfície vários outros problemas que pairam no seu interior.

Direção: Miki Polonski
Duração: 
25 min.
Ano: 
2015
País: Israel

XI Panorama Internacional Coisa de Cinema – Domingo (01/11/2015) –

Longas-Metragem

As Mil e uma Noites – Volume 1, O Inquieto

Uma análise forte da situação portuguesa depois dos anos e 2013 e 2014, e também um forte ponto sobre o embate criativo de se realizar um filme. É quase palpável a melancolia que perpassa a produção; há o desejo de se realizar um produto fantasioso e escapista, mas a situação vivida pelo realizador é muito forte para que seja colocada em segundo plano, e ele decide por uma espécie de híbrido do real e surreal, que em si mesmo já ressalta algum incômodo ou mal estar presente.

A justificativa é estranha, visto que até um filme fantasioso receberia uma carga do estado de espírito do diretor, mesmo que de formas involuntariamente dispersas. Me peguei algumas vezes pensando sobre isto, de maneira que é algo de certa forma desesperador esta influência do sentir sobre a atividade artística. Mesmo tendo em mente o mais feliz e aconchegante dos filmes, há sempre a marca da vivência individual do realizador. Se ele está sentindo dor, a dor penetrará no filme de alguma maneira.

O diretor parece correr de si mesmo (como faz literalmente numa cena em que sai correndo da equipe de filmagem), num eterno embate entre duas tendências que não são tão contrárias assim, mas que pela superfície aparentam ser. Estranhamente no filme estão presentes essas duas tendências; o realismo cru, através de relatos supostamente documentais de pessoas em situações muito complicadas, e metáforas através de situações surreais, como alguns contos que envolvem um mago africano e alguns líderes políticos que procuram aumentar seu pênis. Tudo é contado com sensibilidade e poesia; as situações diversas e a música sempre bela criam um ritmo lento e gostoso de toque profundo, mas no final paira sempre uma certa estranheza sobre o que o realizador julga impossível. Certamente difícil, mas daí a impossível…

Direção: Miguel Gomes
Duração: 
125 min.
Ano: 
2015
País: Portugal/França/Alemanha/Suiça

XI Panorama Internacional Coisa de Cinema – Sábado (31/10/2015) –

Curta-Metragem

Objetos

Essas duas pessoas têm um relacionamento longo e em decadência. No momento em que o presenciamos, ele está numa fase ruim; ao contrário do afeto e o calor, há a frieza e a distância. As sombras predominantes e a profundidade de campo sempre reduzida entre os dois, demonstra com obviedade essa relação. Há algo causando essa progressão lenta e dolorosa, não se sabe o que é especificamente. Algo relacionado com o próprio tempo em si ou na morbidez do campo. Num último plano, descobre-se que ali se trata não de um lugar recluso, mas de uma cidade grande; os prédios altos e tristes apontam para a rotina caótica da metrópole. Impossível dizer exatamente o motivo, mas certamente o tempo é central nisso tudo.
Direção: Germano de Oliveira
Duração: 
16 min.
Ano: 
2015

País: Brasil

Longa-Metragem

Garoto

O novo trabalho de Júlio Bressane tem produção de circunstâncias louváveis. Filmado com orçamento pequeno e em pouco tempo (algo em torno de uma semana), é um esforço importante para consolidar um estilo de produção tão importante quanto este para o nosso cinema.

A natureza efêmera da paixão e seu ciclo que inclui amor, desejo, rompimento, etc… são abordados aqui, nesta mesma visão inevitável e estratificada que se vê por várias e várias vezes repetida. Ainda mais na situação de um casal de amantes que corre um atrás do outro; é cansativo quando esta abordagem não é espetacular, de sensibilidade única. Goddard, é um dos poucos a alcançar maestria ai, de forma que Bressane, aqui, soe como um seguidor mais fraco e menos robusto do cineasta francês, um Goddardzinho.

Mesmo com alguns planos maravilhosos, como quase todos filmados no sertão repleto de pedras magnificas, não há imagens de força grande que se juntam para adicionar solidez aos temas, variedade visual e construir os discursos diversos. São no máximo bonitas e passam batidas, muitas vezes, como um vento fraco. A produção de baixíssimo orçamento e tempo cobra seu preço, de modo que Bressane é inventivo, mas não tira da manga um filme particularmente forte.

Direção: Julio Bressane
Duração: 
76 min.
Ano: 
2015

País: Brasil

XI Panorama Internacional Coisa de Cinema – Sexta-Feira (30/10/2015) –

Curtas-Metragem

Etílico

Um curta bacaninha. Realmente, não há muito o que dizer sobre ele, principalmente devido a sua curtíssima duração. O que fica mais é a aparente falta de sentido nos acontecimentos e a estranha simbologia sexual, que sou-me engraçada por tratar-se de uma animação que tem como público alvo crianças. Um saca-rolhas, advindo de uma nave espacial, abre um vinho em movimentos repetidos que se assemelham a uma penetração. No final o saca rolhas entra em êxtase e derrama uma parte do conteúdo da garrafa, como um coito. Definitivamente algo não usual, no sentido da representação, para uma animação.

Direção: José Araripe Jr. e Iberto Rodrigues
Duração:
3 min.
Ano:
2014

País: Brasil

Biston Betularia

O título parece fazer referência a uma espécie de traça que se torna ativa durante a noite, e passa o dia inteiro se camuflando; se escondendo, como o protagonista que sai à noite e só é visto por nós (espectadores) nessa faixa de tempo. Isto parece uma relação obvia, mas há outra que talvez seja melhor; a seleção natural evidenciada pela traça que escureceu para se adaptar as arvores menos claras, é semelhante a transformação do homem, que se adaptou para as suas necessidades sociais. Ele sabe da sua condição; não é rico, é negro e imigrante. Isso causa preconceitos diversos nas pessoas ao seu redor. O filme pareceu-me um pouco sobre essa capacidade de adaptar-se em outro país, de um jeito difuso, visto que não começa acompanhando esta pessoa, mas ainda assim sobre este viés.

Direção: Ive Machado
Duração: 
13 min.
Ano: 
2015

País: Portugal

Agora Livre (Libre Maintenant)

Retratos aqui são de uma naturalidade belíssima. Todos os fotografados parecem confortáveis pelo menos no momento em que seus corpos são capturados pela máquina. Cobertos apenas por uma máscara que revela a sua natureza pública, nos descrevem, eles, que na vida em família ou entre amigos se portam de outra maneira da que realmente são; Uma gestão esquizofrênica da vida, como diz um dos fotografados em um momento. Estranho, triste e bela a maneira com que seus corpos nus se abrem pelo filme parado e em movimento, mostrando-se através desses instrumentos para fotógrafo e espectador.

Direção: Pierre Liebaert
Duração:
11 min.
Ano:
2014

País: Bélgica

Longas Metragem

O Gigantesco Imã

Uma história interessante, uma paisagem interessante e, acima de tudo, um personagem interessante. Acompanhamos um senhor que se denomina cientista e mora num sertão de Pernambuco, suas invenções consistem de bugigangas diversas; rádios, controles remotos, etc… tudo muito rústico e diferente. Seu processo de criação e sua fascinação sobre suas tecnologias o fazem parecer com uma criança, descobrindo o mundo.

É divertido acompanhar alguém assim, ainda mais quando este senhor é extremamente carismático e sabe contar uma história muito bem. Os contos e circunstâncias ao redor dos inventos são intrigantes e o jeito artesanal que são produzidos estes aparatos é de simplicidade única. Além de uma qualidade, também um defeito, visto que o senhor não pensa em design ou em quem usará o produto e isso revela um grande porém da sua forma de conhecimento. Tudo o que sabe é baseado no sensorial, tudo aquilo que tocou, viu e, em menor escala, leu; ele não se preocupa se aquilo que produz é viável ou como passar as descobertas adquiridas.

Numa cena, o inventor tenta fazer um carro funcionar retirando várias partes fundamentais e trocando o motor tradicional por um de cana, e, surpreendentemente o carro anda. Ai reside a grande questão, como esse carro seria viável? Como passar este conhecimento adquirido? São todas questões que não são pensadas pelo inventor, e o filme coloca isso como uma via alternativa de conhecimento, como se isto fosse ideal. É belíssima, a maneira como o conhecimento foi adquirido, nas condições em que foi adquirido, mas esse saber fica apenas com uma pessoa e constrói, no máximo, um Passa-Tempo para os outros da cidade.

Direção: Tiago Scorza e Petrônio

Duração: 72 min.

Ano: 2015

País: Brasil

Aqui em Lisboa

A junção de quatro curtas para formar um longa nunca foi tão estranha. Todos os curtas têm, pelo menos, alguma ligação com Portugal, nem que seja mínima. Os dois primeiros exploram, visivelmente, paisagens e pessoas portuguesas com muito mais ênfase e são mais focados em uma abordagem pessoal, ao redor dos moradores do país e como eles se relacionam com o ambiente. O terceiro e quarto necessitam de explicação individual, visto que destoam do resto.

O primeiro tem um método bastante claro e direto. Acompanhar uma mulher espanhola na meia idade que faz viagem pelo país. Os seus olhos são os nossos, de forma que, como ela, sentimo-nos estrangeiros explorando aquela terra. A culinária, as paisagens e as pessoas são as partes mais atrativas daquilo e, embora rapidamente o filme divague pela relação pessoal dessa mulher, esse aspecto ainda é atraente.

O segundo curta pende mais para o lado da abordagem pessoal do que a relação com o ambiente, e parece querer centrar-se em alguns personagens, explorando um pouco do seu cotidiano de forma aparentemente aleatória. Essas pessoas não tem nenhuma relação umas com as outras, visto que são de lugares e contextos diferentes e a única coisa que parece liga-los é uma banda de Jazz Free Style (quando todos os músicos improvisam), em que eles acabam se juntando no mesmo espaço. Pode-se enxergar, obviamente, como uma metáfora sobre a correria da cidade, mas não deixa de faltar alguma relação mais forte entre as pessoas ou discurso fílmico.

Neste ponto da projeção eu estava frio, mas com certa expectativa de que o próximo filme seria algo parecido com os dois primeiros. Abordagens nos personagens ou na cidade, talvez um pouco mais diferente no tom dos personagens ou estilo, mas ainda sim parecido com os anteriores. Eis que surge um letreiro exageradamente grande, todo de prata, com uma música de metal pesado atrás. Tentando alcançar um tom paródico de alguns programas sensacionalistas norte-americanos. A comédia escrachada, exagerada, escatológica e absurdista, típica de alguns filmes de comédia da américa do norte, está em 99% do filme, e a minha risada veio mais pela estranheza daquela situação e não pela situação em si (“será que eu estou no filme certo?” “Erraram a na ordem dos filmes?” Era o que passava na minha cabeça).

Sobre o quarto e último curta não há muito o que dizer. É apenas uma espécie de pastiche de um trecho de Idade da Terra, de Glauber. Filmado com câmera na mão e quebrando a quarta parede a todo momento, a peça irritante contém gente fantasiada de sereia ou animais diversos, dançando ou interagindo de forma aparentemente aleatória. A descrição e análise dos filmes é longa e passa o limite de três parágrafos, que impus a mim mesmo, justamente para dar base a uma impressão que tive. Os curtas não constituem discurso ou algum sentido conjunto entre eles.

Direção: Denis Côté, Dominga Sotomayor, Gabriel Abrantes e Marie Losier

Duração: 90 min.

Ano: 2015

País: Portugal