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O Cinema Nacional é de Esquerda?

Há, no senso comum, a concepção de o cinema nacional é de esquerda; e, de tempos em tempos, surge alguma figura para cuspir esta afirmação em alto e bom tom, como se fosse o dono da razão e soubesse tintin por tintin como é o cinema produzido neste pais (geralmente quem afirma isto de maneira reducionista, não conhece o cinema nacional).

Antes de apresentar uma resposta para esta pergunta, é preciso salientar a natureza da arte em relação à política. Não existe forma de arte imparcial, logo, não existe cinema imparcial. Isso por que sempre existiram barreiras entre a câmera e a realidade. Seja o enquadramento, a lente, a angulação da câmera, ou a sua simples presença, que faz com que as pessoas ajam de maneira diferente. Tudo isso é controlado por um grupo de pessoas e direcionado por um olhar (geralmente), fruto da subjetividade dessas pessoas e, consequentemente, representando suas opiniões políticas. Dito isto, sempre existirá “arte de direita” e “arte de esquerda”, no sentido em que se coloca essa afirmação.

Quando escuto “Arte de esquerda”, imagino que o indivíduo se refira ao tema principal do filme ser de esquerda. Por exemplo, dentre todos os temas, aquele que é centro da história ou acontecimentos, é algo mais relacionado a este espectro político. Nesse caso, a afirmação não faz sentido.

Filmes que poderiam ser considerados de esquerda, com alguns dos seus realizadores inclusive declaradamente pertencentes a este espectro político, tem como tema principal constatações e exposições acerca da realidade brasileira. O Som ao Redor (2013), Que Horas ela Volta? (2015) e Boi Neon (2016) são exemplos. O primeiro fala de um Brasil dividido e com várias expressões de violência, o segundo de um país que experimentou avanços enormes, mas ainda mantém a cultura atrasada e o terceiro de uma parcela da população que consegue tirar beleza de um ambiente marrom, grosso e árido.

O que esses filmes fazem é, basicamente, constatar e expor feridas do nosso pais (talvez o terceiro com menos contundência que os dois primeiros). Dizer que esses filmes são de esquerda é dizer que o que eles retratam é tendencioso e não verídico; é negar os fatos. Constatar a divisão social e racial não é “ser de esquerda”, muito menos reconhecer que houveram avanços no pais. É simplesmente reconhecer a realidade e retrata-la da maneira que esses realizadores melhor sabem fazer. O que isso mostra, diz respeito mais a quem faz essa afirmação que os próprios cineastas. É a negação doentia de uma parcela da direita que parece fechar os olhos diante de algumas coisas que acontecem neste país.

Um outro argumento que se pode dizer é o do enquadramento, ou seja, quando se diz que o cinema nacional privilegia um certo tipo de história ou um certo tipo de personagem. Bem, pelo menos este argumento faz algum sentido, já que para constatar alguns dos problemas brasileiros, algumas histórias e alguns personagens, pelo menos na embalagem; por fora, podem se repetir.

A partir daí, pode-se constatar algo interessante sobre onde entra uma parte dessa visão política que tanto se demoniza. Talvez, na maioria dos filmes, e ainda mais neste tipo de cinema que constata e expõe; a subjetividade do realizador esteja mais na maneira como ele retrata os personagens e seu ambiente, que no tema central em si. Em O Som ao Redor, a subjetividade das pessoas é maior na caracterização do garoto rico e da doméstica; mais na forma de vê-los que no tema que paira durante todo o filme. Esses filmes me parecem ter isso em comum; o tema é uma verdade absoluta, é algo que acontece. Existem violências diversas e divisões no Brasil, não são invenções de um cineasta de esquerda. Outros aspectos revelam mais a mão do realizador.

Sendo a fonte desses temas as histórias, seus personagens e a forma de vê-los, não é que o cinema nacional é de “esquerda”, mas que precisa de alguns recursos para expor uma realidade que não pode ser negada. Para mim, esse cinema soa mais como de “bom senso” do que “Esquerda”.

O que se poderia chamar de “cinema de direita”, então, tem mais haver com valores da direita; algo que se pode encontrar nas chanchadas da Globo filmes como Candidato Honesto (2014) e Linda de Morrer (2015). Onde valores desse espectro político predominam nas relações entre os personagens e balança moral dos filmes. Neles, predomina uma espécie de escapismo; muito mal feito, porém, onde o conservadorismo reina absoluto na forma e repetições intermináveis de maneirismos, personagens e histórias.

Nas novelas e alguns dos filmes que geralmente ganham maior destaque (por sua associação com grandes distribuidoras como a globo filmes) essa lógica e esse olhar é majoritário; portanto, o cinema Brasileiro não é dominado por apenas um ponto de vista, como gostam de afirmar alguns. O que acontece é que esses filmes que erroneamente são chamados de “Esquerda”, rodam o mundo por se proporem a discutir honesta e abertamente o Brasil, o que outros não se dispõem a fazer (Para ficar claro, não condeno filmes de gênero; os adoro. Para argumentação, estou usando mais esses exemplos de filmes que citei).

O mundo não é binário. O que se pode afirmar é que este cinema não pode ser reduzido a “de esquerda”, ele tem no centro uma observação violenta dos problemas do nosso país, que são reais e muito feios, algumas vezes. Nenhum cinema, na verdade, deve ser.

Dublar ou não dublar?

A questão não é se devemos dublar ou não. Alguns grupos, como pessoas, incluindo crianças, que não dominam a leitura e pessoas com dificuldade de enxergar precisam da dublagem para ter uma experiência muito melhor (importante dizer que pessoas com deficiência visual NÃO se enquadram aqui, já que necessitam de audiodescrição). O que se deve rechaçar é a totalidade ou maioria das copias dubladas; quando o acesso as copias legendadas se torna difícil ou impossível.

Os cinemas, em alguns casos, privilegiam a dublagem em detrimento da legendagem, o que é errado e abominável. Em algumas ocasiões, colocando as copias legendadas em menor disponibilidade e nos piores horários, e em outras, como no caso das animações, disponibilizando apenas copias dubladas. As distribuidoras cometem, até, o absurdo de colocar uma cópia dublada nas cabines de imprensa. Como e por que um crítico irá julgar a dublagem que não foi supervisionada pelo diretor do filme e, na maioria dos casos, sequer recebeu sua aprovação?

Fora a inclusão de grupos com problemas sérios com a legenda (se esqueci de mencionar algum grupo me desculpem) os argumentos que geralmente são utilizados para se defender a dublagem não se sustentam. De um ponto de vista puramente artístico, a dublagem é indefensável. Você já deve ter ouvido que com este processo se perdem faixas do áudio original, bem como uma boa parte da performance do ator, algo que deturpa o significado da obra, ou seja, se você está assistindo uma obra dublada, não está assistindo a versão original, mas sim uma segunda versão modificada.

E pior que isso, perde-se toda carga cultural que se tem na dicção e na maneira de projetar o diálogo. Algo que é uma das maiores mágicas do cinema, o poder de transportar o espectador a outro espaço e a outro tempo. Você deve ter reparado, ao assistir um filme estrangeiro, como as pessoas falam e se projetam de uma maneira muito peculiar. Isso é ressaltado nas culturas mais diferentes da nossa; de como um japonês conversa de uma maneira diferente, ou como um francês pede uma cerveja num bar de uma forma, diferente de um americano; esse poder de colocar o espectador em contato com uma cultura completamente diferente, sem fazê-lo levantar da cadeira, se perde completamente na dublagem.

A pior consequência desse processo é, porém, o desrespeito ao cineasta. Por mais que se queira defender a qualidade dos dubladores nacionais, nem eles e nem o estúdio de dublagem tem o direito de alterar uma obra de arte. E sim, eu sei que as distribuidoras escolhem os estúdios que irão realizar este processo, mas independente disso, a dublagem é um processo que, por natureza, deturpa o filme e não é vistoriado ou pensado pelo diretor, mas por terceiros, que tem pouco ou nenhum compromisso com a arte cinematográfica.

A Inglaterra e todos os países nórdicos, por exemplo, tem uma posição mais honesta, mais justa e comprometida com a arte. Dublam apenas os filmes com público alvo infantil, e deixam o resto dos filmes legendados. Essa seria a melhor opção, alterando-se apenas que, no caso dos filmes não infantis, as copias dubladas estivessem disponibilizadas em número menor que as legendadas. No geral, o público que necessita de dublagem é muito inferior (numericamente) ao público que não necessita.

E não adianta vir com a desculpa de que se perde informação na hora de ler a legenda. Perde-se MUITO mais dublando; a perda de quando se desvia o olhar para ler e do espaço que a legenda ocupa é ínfima e, por favor, não vamos ser desonestos em dizer que não se consegue ler a legenda e prestar atenção na imagem. Conheço diversas pessoas que conseguem fazer isso, além do mais, o olho humano tem a incrível capacidade de mudar para onde se olha em frações de segundo.

Para combater essa imposição que os estúdios estão impondo atualmente, assim como Pablo Vilaça em seu artigo contra a dublagem, sugiro que boicotem. Se você tem respeito e amor pelo cinema boicote esses filmes que não tem opção legendada, e se preciso for Baixe. E não, não é elitismo, é simplesmente defender a arte que todos nós amamos.

Por Alan Leonel

De quem é o filme?

Depois de muito tempo refletindo sobre essa questão, a resposta me vem naturalmente. Qualquer que seja o filme, curta ou longa, a partir do momento que é lançado em algum circuito, seja comercial ou em festivais, passa a ser um patrimônio do público e não pode ser modificado.

Quanto a essa questão bato o pé. Qualquer que seja o filme, independente do que aconteceu a ele antes de ser lançado, mesmo se foi picotado por alguém que não o diretor (algo que é abominável) ou se foi censurado, o filme deverá permanecer como estava na primeira vez que foi exibido.

A obra cinematográfica é fruto, entre outras coisas, do contexto sócio histórico em que foi realizada, logo, quando se modifica algum aspecto dessa obra, mesmo que seja  para respeitar a visão do diretor, perde-se esse aspecto e o filme é deturpado. E é importante dizer, que todos os aspectos de um filme comentam sobre esse contexto, não só os personagens, história e temas, mas a forma do filme diz respeito a o que quem o realizou estava sentindo e em que contexto vivia (não há problema em corte do diretor ou outra versão do filme, desde que não substitua ou dificulte o acesso do original, é bom frisar).

Há alguns casos em que, acredito eu, há unanimidade em relação a reconhecer a deturpação da obra. Casos como Guerra nas Estrelas Episódio IV (1977) ou THX 1138 (1971), ambos dirigidos por George Lucas e que foram vergonhosamente deformados com inserções de diversos efeitos digitais, alguns desses efeitos chegando até a modificar o sentido original da obra. Como em um dos exemplos mais conhecidos: “Han shot first”.

Já em outro caso, como Spartacus (1960), de Kubrick, a situação é mais complicada. O filme teve uma cena (conheço uma apenas) excluída, pois o estúdio ou um produtor achou que o público não iria aceitar. A cena se trata de uma conversa entre um senhor e seu servo, em que, o senhor insinua uma relação homossexual. Nesse caso, se ganha na fidelidade à visão do diretor, claro, mas em contra partida, perde-se todo contexto sócio histórico que o filme tinha. A ausência do tratamento desse tema nesse filme, bem como em outros, revela os valores que a sociedade americana tinha na época, o que ela considerava moral e imoral, digno ou indigno. Mesmo sendo valores profundamente corrompidos e odiosos, devem estar presentes na obra.

Há, em qualquer filme, um equilíbrio entre diversas forças que atuam nas suas mensagens. Chamo-as de força criativa; as bases do que o filme quer dizer a quem o assiste. O trabalho do diretor, imposições sociais, contexto histórico, entre outros, são essas forças; e quando se altera alguma cena da versão original perde-se algo disto. Pense em um grande castelo de cartas. O castelo inteiro só existe como foi montado, com todas as cartas e no seu arranjo original. E mesmo se retirarmos apenas uma cartinha do topo, mudarmos cartas de lugar ou adicionarmos uma nova carta, por mais insignificante que seja esta mudança, o castelo que resultar não será  mais aquele que se tinha no início.

Por Alan Leonel