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De Salvador, BA, sempre gostei de assistir filmes, desde muito pequeno ia sempre ao cinema com minha tia e minha avó. Me aprofundei na sétima arte no início de 2013, quando comecei a estudar, pela internet, os processos e conceitos desta arte, e a assistir aos filmes mais importantes. De lá pra cá, venho estudando cada vez mais, ainda pela internet e também por cursos, estudos esses, que solidificam cada vez mais, minha paixão por essa arte. Atualmente escrevo crítica cinematográfica para o Cinepop, além de buscar realizar alguns curtas metragem escritos por mim.

Cobertura XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema (Sábado, 17/11/2018)

Henfil

HENFIL_011-513x319Pessoas como Henfil estão no seleto grupo daquelas que nascem de tempos em tempos. Não me arrisco a chutar o número de anos, mas certamente são muitos. Tamanha produção, inteligência e audácia, comprimidas em um corpo, tristemente tão debilitado, vem esporadicamente ao mundo. Se não viessem com tal espaçamento o planeta seria outro, com certeza.

O filme traz uma exploração do personagem através de um esquema inteligente de alternação entre as imagens caseiras de Henfil e a produção de uma animação com os seus problemas, debates e questões que envolvem ,principalmente, a busca por entender o pensamento e o desenho do cartunista. Uma sacada interessante, já que a exposição da equipe somada as imagens mais íntimas, que fazem entender um pouco da alma inquieta e brincalhona do personagem, revelam bem quem ele era.

Um dado interessante, trazido pelo filme, por exemplo, é de que Henfil vivia em constantes altos e baixos, devido a sua doença (hemofilia). A morte, portanto, sempre estava em seu horizonte. Seu conteúdo, ácido, urgente e inquieto, era todo pautado nisso, dos diálogos que escrevia até o traço incompleto, minimalista e angustiante que possuía. Uma pincelada precisa de um homem que passou a vida inquieto.

Direção: Angela Zoé
Duração: 75′
País: Brasil
Ano: 2017

 

Clube do Otimismo

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A memória é triste por definição, já que as coisas mudam. Uma mudança radical, porém, entre a existência e a não existência, traz uma melancolia profunda. Em clube do otimismo experimentei este sentimento. Vi o sonho de uma pessoa ser transformado em migalhas e o tempo, com sua crueldade impessoal, transformar um espaço utópico em um banal e tedioso edifício comercial. Edifício este que abriga pessoas interessantes e que guardam uma relação próxima com o passado que só é possível ser avistado por ruínas e restos de algo que existiu um dia.

Essa dualidade, entre o atropelamento da história pelo sistema e a sua celebração pelas pessoas que vivem nesse sistema é interessante e fala do Brasil atual que, infelizmente, transformou esta prática em realidade. Essa riqueza temática é apresentada com o vício formal característico do cinema Brasileiro de festival contemporâneo: planos longos, edição de som preguiçosa (com seus sons que remetem ao passado, presente em 3 de cada 5 curtas que vejo em festivais) e abordagem naturalista. Uma forma banal para um tema interessante e forte. 

Direção: Lívia Arbex Silvia Ribeiro
Duração: 20′
País: Brasil
Ano: 2018

 

Cobertura XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema (Sexta-Feira, 16/11/2018)

Gritos e Sussurros

 

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É difícil para mim escrever algo sobre este filme visto que, no presente momento, quase que uma semana após ter assisti-lo, ainda penso nele e permaneço impactado pela misteriosa maneira de tocar que o filme apresenta. Coisa comum a todos os filmes de Bergman (pelo menos aos que assisti).

Não tenho nada a oferecer nesse texto, a não ser uma certeza: Antes de morrer, eu ainda re-assisto este filme.

Direção: Ingmar Bergman
Duração: 91”
Ano: 1972
País: Suécia

Mais e Melhores Blues

 

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Ás vezes a vida apresenta caminhos tortuosos e suas soluções, muitas vezes estranhas e imprevisíveis, fazem brotar coisas belas da miséria profunda. Como um Blues ou um Jazz, que só quem sente essa dor mais profunda consegue interpretar e realizar essa metamorfose. A maior realização de Bleek Gilliam, personagem de Denzel Washington no filme, talvez seja a sua sina: A voz esplendorosa e aveludada de Clarke ou futuro promissor do garoto Miles, qualquer uma das duas, o mundo agradece.

Ainda irei preparar uma crítica em separado para este filme.

Direção: Spike Lee
Duração: 129”
Ano: 1990
País: EUA

 

P.S. Sou imensamente grato ao Panorama pela oportunidade de poder assistir a esses filmes, me engrandece como pessoa e Cineasta.

Cobertura XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema (Quinta – Feira, 15/11/2018)

 Falha Justa

 

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Aqui, somos apresentados a um linchamento sob o qual não sabemos as razões pelas quais os personagens praticam este ato. Tampouco sabemos quem são esses personagens.

O que sobra são os signos, que trazem uma riqueza de temática grande, já que por essa abertura construimos o significado em nossas cabeças. O adereço cor de rosa, o desespero da mãe e a provocação maliciosa no rosto do homem. Tudo isso revela um cenário de injustiça e uma vontade de vingança que permanece sempre a flor da pele.

A escolha formal, de descrever esta situação com câmera lenta e utilizar uma trilha que remonta a Wendy Carlos e o seu som aterrorizante e mecânico, trazem uma força maior a este panorama que é traçado. As reações humanas parecem estar sob uma lupa e a trilha destaca o que há de pior, tanto no suposto agressor, quanto na suposta agredida.

Direção: Dinho Negryne
Duração: 6′

 

 

Dr. Ocride

 

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Um bom filme e um fenomenal personagem.

Talvez fenomenal não seja a palavra adequada, mas é possível entender as qualidades do Euclides  Neto, conhecido pela população como Dr Ocride, a partir da descrição da sala de cinema após a exibição do filme. Soluços eram frequentes, rostos molhados de lágrima, em qualquer direção que se olhava e, algumas tosses podiam ser ser ouvidas, de pessoas que tentavam disfarçar a emoção.

Com isso pode-se imaginar a potência de uma figura que se entregou, de fato, para a povo e que não media sacrifícios para a população a quem dedicava tamanho amor. Figura em falta, nos dias atuais, e que é a verdadeira representação do espírito público mais puro, a verdadeira vocação cristã de se doar ao próximo e que é essencial a política.

Ver algo dessa natureza, mesmo em menor grau, é bonito. Porém, quando se é confrontado com a nobreza da entrega quase que total a este ideal, experimenta-se uma sensação etérea de admiração e gratidão por um trabalho que engrandece a humanidade como um todo. Um bonito filme sobre um homem que, com todas as contradições que se possa apontar, viveu sob este ideal.

Direção: Edson Bastos e Henrique Filho
Duração: 85′

Três Mulheres

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Talvez o filme mais diferente do grande cineasta Norte-americano. Envolto em mistério, traz a simplicidade da convivência entre duas personagens, Millie (Shelley Duvall) e Pinky (Sissy Spacek), explorada através do olhar da obsessão e do apego. As marcas mais recorrentes em sua filmografia aparecem timidamente, ou quase não aparecem. Assim como suas personagens, maravilhosamente estranhas e fora de lugar, Três Mulheres é O “patinho feio” da sua prolífica carreira.

Rapidamente, o que salta aos olhos é a figura da bruxa. Na verdade, a personagem não é nomeada, mas seu rosto de feições marcadas: nariz em formato de gancho e chapéu que lembra ao dos peregrinos ingleses, criam uma similaridade muito forte. Essa figura, misteriosa, se porta de maneira onisciente, indo e vindo, apenas observando e pintando. Aliás, suas pinturas estão presentes durante todo o filme e tratam-se de uma fonte inesgotável de mistério e significado. Nelas, vê-se figuras contorcidas, em poses de ataque ou defesa, com características masculinas e femininas (pelo menos como uma parte da sociedade as taxa). Em meio ao mar de pinturas que aparecem, a de uma dessas figuras, que possui uma grande barriga, como se estivesse grávida, é a que me parece ter a maior força.

A gestação, seja de um novo ser ou de um novo sentimento, me parece despontar como um dos temas mais fortes, se essa classificação for possível num filme tão não-linear e imprevisível. Um sentimento nobre, como o amor, pode resultar no ciúme ou no ódio. Assim como uma criança, indesejada, pode trazer dores e desconfortos a mãe, por maior que seja o amor desta por aquela.

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A isso, a imagem vista através de um aquário, que aparece muitas vezes durante o filme e, algumas delas, sem justificativa prática, amplifica e comenta sobre este tema. A mesma água que carrega o conforto da barriga materna, traz as incertezas da vida que flutuam graciosamente sobre o oceano do destino; lento, mas implacável. As próprias locações, exercem um comentário, também, sobre isso. A segurança do ambiente de trabalho que, por sinal, é o local onde as duas mulheres se conhecem, é oposta aos locais exteriores. O primeiro, lembra a uma incubadora: devagar, seguro e dócil. O segundo é brutal, repleto de perigos e árido pela poeira implacável que sobe do chão.

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A Califórnia carrega as discrepâncias norte-americanas. A busca por luxúria, o consumismo e o falso sorriso trazem consigo as contradições fundamentais desta sociedade. Todos querem ser astros: ricos, famosos e reconhecidos, uma tríade personalizada pelo personagem de Edgar, um ex dublê fracassado de Hollywood. No final, ele morre. E as mulheres, que por si só são uma provocação a esses valores, vivem em comunhão. Três pequenos barcos, de carcaça dura, lapidadas por seu gênero, rumo ao desfiladeiro da sociedade opressora.

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Mulheres cuja sina, muitas vezes, se queda em receber algo que não querem. Seja o cortejo, a agressão, o amor, a obsessão ou o doloroso desprezo, que é brutalmente aplicado a personagem de Shelley Duvall. Ignorada, chacoteada e taxada de “excêntrica”, tenta fazer de tudo para entrar, mas sempre recebe a resposta dura da sociedade, representada pelos seus vizinhos “descolados”, que não a consideram apta a entrar naquele ambiente.

Tudo parece se encaminhar a um fim. A casa rústica que abriga as mulheres, no final do filme, se assemelha as primeiras casas dos peregrinos; uma imagem fantástica que nos faz regressar no tempo (aliás, imagens com essa qualidade são recorrentes). Sua coloração desbotada, composta de branco e marrom, iluminada em luz difundida pelas nuvens, traz a sensação do passado. Já a luz alaranjada, recorrente no filme, apresenta a sensação do início. Altman parece lançar um questionamento filosófico sobre a própria obra: Seria isto o fim, ou o início? Parece-me uma questão que apenas as mulheres devem responder.

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Direção: Robert Altman

Fotografia: Chuck Roscher

Roteiro: Robert Altman

Arte: James D. Vance

Montagem: Dennis Hill

Elenco: Shelley Duvall, Sissy Spacek, Janice Rule, Robert Fortier…

Duração: 124 min.

XII Panorama Internacional Coisa de Cinema – Segundo dia (10/11/2016)

Minotauro – Viagem ao Labirinto do Corpo

Uma peça instigante sobre o desenvolvimento humano. As etapas, do nascimento a morte, são retratadas como fases de videogame, onde o jogador pode abandonar ou continuar o jogo após sofrer um forte baque. As fases são, na verdade, performances artísticas que parecem simbolizar não só a natureza humana, numa progressão; sua fertilidade, vitalidade e a mais profunda sombra de angústia, medo e dor, representadas pela performance de uma criatura horripilante; dotada de máscara, chifres e espinhos nas costas.

Parece Pouco implementar os símbolos vindos do Videogame. Além de súbitos incrementos no ritmo e a metáfora central do Game over (Jogo encerrado), que se assimila a alguns momentos da vida de qualquer pessoa, soam como enfeites de modernidade mais fraca possível. Onde se entope de símbolos relacionados com um ideal de Juventude; algum produto, e se espera uma identificação, por parte do público.

Não passa de um filme sobre a vida. Tendo sim um mérito por alcançar isso de forma eficientes; pelas performances e motivos recorrentes. Sendo um filme simples e enfeitado sobre a experiência da vida.

Diretor(a): Leonardo França

A Cadeira de Balanço

Também um filme interessante, mas que poderia encerrar-se com essa descrição apenas. Sendo ele minimamente especial, simplesmente por ter uma migalha (estou sendo generoso aqui) de experimento formal.

Somos, durante maior parte do filme, aquilo que nos causa maior tensão. O objeto ou pessoa que chega na casa de um casal; implantado em uma espécie de aparelho que se assemelha a um micro-ondas. Um homem, ao lado da sua esposa, observam atentamente a esta coisa; o homem, porém, parece mais perturbado e envolvido. Nós, que ocupamos o lugar deste elemento perturbador; subjetivamente, não o observamos. E a tensão vem daí; de querer saber o que é esta coisa.

Paralelo a isso, tem-se os temas da maternidade, paternidade, distanciamento nos relacionamentos; pairando. Este conteúdo é organizado de forma simples, porém.

Um exercício eficiente de gênero. No que almeja, muito pouco, alcança com êxito.

Diretor(a): Fernanda Fontes Vareille

 

Ridículos

Com filmes como este há de se ter cuidado, pois de um lado são propostas interessantes; diversas; com variedade de estilos e formas. Uma maneira diferente de se realizar dentro do panorama, especialmente o baiano, de cinema.

Por outro são filmes com blocos de conceitos e formas extremamente repetidos de maneira a, dentro da sua variedade, criar uma monotonia quase que insuportável, e alterna momentos de força muito pequena, com algumas pérolas de muitas qualidades.

O filme parece ser uma espécie de cinema direto onde se capta uma entrevista de um candidato a uma vaga num grupo de palhaços; alternado a isso, as performances dos palhaços. A combinação desses estilos é feita; o suposto cinema direto (onde se pode ver câmeras e operadores de som, simulando uma situação real) e o cinema mais performático; câmera parada; tableau, onde, num plano mais aberto, vemos os palhaços pintarem e bordarem. A primeira muito mais interessante, já que se baseia na interação das pessoas, algo que forma uma base sólida capaz de ser fonte de dinamicidade constante.

A isto atribuo a interação dos indivíduos, todos de personalidade única; forte; rostos expressivos e condução das situações sempre de maneira a adicionar alguma novidade, de alguma forma.

As palhaçadas, ao contrário disso, são fontes recorrentes de repetição. O tipo de humor é o mesmo; físico. E sempre relacionado a mesma fonte; o desengonço dos palhaços, e de forma linear e única, sem adição de outras situações paralelas, e organizadas em estrutura repetitiva. Uma interação entre os indivíduos na entrevista é sempre seguida por uma performance. Dito isso, é como se assistíssemos uma pessoa levanto uma torta na cara cem vezes. Nas primeiras três, ri-se; nas noventa e sete seguintes, a reação é a mesma. De indiferença. Pelo menos para mim foi assim.

Entre algumas dessas interações, há momentos que tocam; para além do rir, se aproximando da natureza da performance, algo que é, em essência, agridoce; dual. A cena do corte do cabelo e da dança da palhaça comendo banana se enquadram ai.

Uma pena que quando se adentra perto da metade do filme, as performances mais repetitivas tornam-se excruciantes e acabam por obscurecer as partes mais interessantes.

Diretor(a): Paula Lice, Rodrigo Luna e Ronei Jorge

Confidente

A atmosfera da memória, em confidente, é constante. Por meio de filmes de arquivo de épocas que remetem ao inconsciente coletivo Brasileiro da infância (anos 40, 50, 60); uma nostalgia que temos dessas épocas que guardam um espaço especial na memória do povo deste país; cria-se uma atmosfera que captura uma parte desse sentimento.

Pena que o filme traz os vícios mais rasteiros do atual cinema experimental brasileiro. São rasteiros por que, se é filme experimental, tem de experimentar; e para mim, copiar a forma, por ela estar em uso constante, é a antítese do filme experimental e sinal de preguiça e mediocridade.

Então, muito do valor conseguido com os filmes de arquivo sobrepostas e o tema interessante, é deletado por uma narração absolutamente genérica e a montagem que repete imagens iguais, uma atrás da outra, muito rapidamente; forma que, se fosse maçã, já teria caído de podre, dentro do panorama atual.

Diretor(a): Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes

Interdito

Um experimento bastante interessante e esteticamente belíssimo. Num plano único; estático, vemos um casal se aproximando, se abraçando e se beijando. No ínterim, um dos membros do casal ascende e apaga um isqueiro que, nas condições de uma praia escura, brilha em flash, se assemelhando a um farol.

Dessa maneira, pode-se interpretar como uma simples metáfora para a volubilidade das relações; mas o filme rapidamente se expande para além disso. A belíssima imagem do mar a noite; com quase nenhuma luz artificial (algo que, como realizador, gostaria de fazer diga-se de passagem); sombria e solitária; dá contornos da vulnerabilidade humana, misticismo e vaidade. Funciona como as sombras, no cinema Noir.

É incrível como alguns elementos trazem um turbilhão de significados e expandem um tema ou história de forma exponencial.

Diretor(a): Leon Sampaio

 

Cinema Novo

“Sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades”

A frase do eterno Presidente da câmera Federal e presidente da constituinte, Ulysses Guimarães é uma perfeita descrição do Cinema Novo; movimento cinematográfico brasileiro dos anos 60 e 70; examinado criativamente, com tons informativos e, majoritariamente poéticos, pelo documentário com o mesmo nome do movimento: “Cinema Novo”.

Sempre perseguidos; reféns de uma situação; mas dotados do amor mais profundo, os cineastas eram como heróis, assassinado um dragão a cada dia. Mesmo assim e, a partir disso, criaram filmes diversos, mas com pontos, imagens e temas que os uniam dentro da sua diferença.

É a partir deste viés que Eryk Rocha parece querer desbravar este movimento. A partir do seu “espírito comum”. Certamente é bastante exitoso, já que por isso só o filme já consegue atrair bastante, visto que a semelhança entre filmes diferentes é assustadora, e é fonte de atenção a todo tempo, dado o quão parecidas são as várias imagens e maneiras de retratar um gesto ou assunto.

As pessoas sempre parecem correr de algo ou utilizar da violência mais brutal umas com as outras. O mar, também, parece ser recorrente como símbolo da vontade de ir embora, ou da nostalgia de tempos que não voltam mais. Coisas que são recorrentes no Cinema Brasileiro.

Em meio a isso, há uma camada informativa de valor muito grande, onde se vê os realizadores falando de seus filmes e do seu cinema. Discutindo, cada um com o seu ponto de vista, sobre o panorama de cinema a época, histórias, estilos e o que pensavam a àquela altura sobre o cinema Brasileiro. Dessa maneira, percebe-se características do movimento que de outra maneira não seria possível perceber. A forma como o cinema novo foi fruto de um impulso de alguns indivíduos, da conjuntura socioeconômica brasileira dos anos 60 e de um “Vazio cinematográfico”, como chama Joaquim Pedro de Andrade, existente no Brasil, por exemplo. Isto quando se diz respeito ao cinema que se aproxima mais dos exteriores e, portanto, da realidade brasileira. Também, e não menos importante, que o cinema novo foi pioneiro entre o cinema moderno ao redor do mundo e, não só isso, criou uma própria forma; orgânica e absolutamente brasileira; mais pujante em expoentes como Glauber Rocha.

Tudo isso é grudado por um ritmo estável e relativamente rápido; além de forte, pois contrapõe imagens similares criando embates que fortalecem o aspecto da semelhança entre os filmes e ligam o cinema de diferentes realizadores e até de diferentes épocas, em um discurso que busca a evolução não só do cinema brasileiro, mas de seus temas, forma, histórias e modelo de produção.

Diretor(a): Eryk Rocha

XII Panorama Internacional Coisa de Cinema – Primeiro Dia (09/11/2016)

Pequeno aviso antes do texto do único filme visto hoje e um dos três que abre o XII Panorama Internacional Coisa de Cinema:

Nos dias seguintes, até o dia 16/11/2016, irei cobrir o festival escrevendo pequenos textos sobre os filmes assistidos nele. Então fiquem ligados no blog pra ler sobre filmes recentes e clássicos do cinema Nacional e Internacional.

E se você for de Salvador, não deixe de conhecer o festival; os preços são baratos, a variedade é relativamente grande e os filmes são relevantes. Também, a equipe tem o esforço de projetar alguns filmes em 35 mm; o que é algo muito raro atualmente e um privilégio poder assistir um filme neste formato.

“Polícia é polícia; bandído é bandido”

É com essa frase que se pode definir o filme de Hector Babenco. Lúcio Flávio, o Passageiro da agonia; um dos que abre o XII Panorama Internacional Coisa de Cinema, exibido em 35 mm, carregando toda a energia, toque e transparência que este formato permite . A escolha deste filme é forte, e traz como característica a vitalidade, leveza e força de Babenco e dá época em que ele foi realizado.

A polícia fica no centro. O bandido também. E sobre essas duas figuras o filme não parece fazer distinção. Embora, formalmente estejam em campos opostos; na prática, agem do mesmo lado e numa linha muito fina, caminhando de mãos dadas; um tentando derrubar o outro, mas com essa prática acabam, sem querer, realizando o equilíbrio tão necessário para chegar ao outro lado. Embora, eventualmente, quase caiam vez ou outra.

Este outro lado é o dinheiro. Grana. O meio imaterial para a tão sonhada escalada; subir na vida. Ser chefe e não ser um “Pé de chinelo”, como dito várias vezes por Lúcio Flavio. Esta parece ser a sua “Agonia”; e não as intermináveis torturas a qual é submetido, que ele encara como rotina.

Rotina parece ser a palavra chave neste filme. Assim como em Alemanha ano 0 e rigorosamente todo neorrealismo italiano, a cidade reflete os objetivos. Ambos visam o mesmo fim, mas com causas diferentes. Na Itália de Rosselini; a guerra. No Brasil de Babenco, a desigualdade. Paralelamente, a câmera parece passear da mesma maneira, como se os olhos fossem similares; os movimentos panorâmicos de Babenco são semelhantes, percorrem a cidade em alta velocidade, numa realidade que não se pode registrar adequadamente. E o famoso Dolly que se afasta de uma mulher correndo na direção da câmera é replicado; ao invés de “Francesco! Francesco!” temos “Lúcio! Lúcio!”. Aparentando, então, fins similares.

Também no objetivo de simplesmente querer acompanhar pessoas, Babenco cruza com o cinema italiano dos anos 40. Se de um lado vemos a força nos temas, de outro a leveza na hora de contar a história; o estilo quase que desaparece e não há objetivos; apenas a rotina de algumas pessoas e quando elas morrem (isso não é Spoiler); a morte é mais forte e dura, e os intermináveis pesadelos de Lúcio Flávio, que são conduzidos magnificamente sem alteração de nenhuma natureza; como vida real; parecem ainda mais verdadeiros.

Escondidos; discretos e ao mesmo tempo explosivos; baderneiros. É a gangue de Lúcio Flávio e, também é o cinema de Babenco. Uma junção inesperada e estranha, que traz as duras camadas da realidade envoltas em linho macio. Uma excelente escolha da curadoria e direção do XII Panorama Internacional Coisa de Cinema, para se relembrar uma grande obra, um grande cineasta, pensar no Brasil e pensar no cinema Brasileiro.

Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (Brasil, 1977)

Direção : Hector Babenco

Roteiro : Hector Babenco, Jorge Durán e José Louzeiro

Elenco : Reginaldo Faria, Ana Maria Magalhães, Grande Otelo, Ivan Cândido, Lady Francisco…

Fotografia : Lauro Escorel

Montagem : Silvio Renoldi

Aquarius Crítica

Cobertura do Festival de Cannes

AQUARIUS

Tudo o que foi dito sobre Aquarius (excluindo as insanidades e implicâncias com o cineasta), filme mais recente de Kleber Mendonça Filho, e único Brasileiro na seleção oficial de longas-metragens; parece ser verdade, de uma forma ou outra. Um grande filme, parece causar uma espécie de frenesi de interpretações, e todas elas contém algum grau de verdade. E que Aquarius é um grande filme, acho que ninguém que o assistiu pode negar.

Se olharmos bem no fundo dos olhos desta obra veremos que o que há, na essência, é um filme apaixonado. Um amor profundo da memória do nosso povo; a nostalgia coletiva do povo brasileiro. E é sobre isso que o filme parece tratar; e de fato o faz com muito carinho. Ai, para mim, reside um dos grandes fatores que fizeram com que ele não fosse premiado em nenhuma categoria, no festival de Cannes. Um filme feito por brasileiros, para brasileiros e sobre brasileiros; algo que, ao chegar nos olhos de um estrangeiro destas terras, parece um pouco confuso; não tão forte e talvez um pouco fora de tom.

Não que o filme precise ganhar algo neste festival. Cannes já demonstrou muitas vezes seu conservadorismo em edições passadas, no que diz respeito a forma, principalmente. E, nesse sentido, o filme já tem um enorme feito; que é a sua presença na seleção oficial, coisa que não acontecia a um filme brasileiro a alguns anos.

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O cinema de Kleber Mendonça Filho, se apresenta como a flor da pele. Tudo parece querer pulsar para fora da tela, como um floco de milho que vira pipoca. Além de uma paixão melancólica e muito forte, há uma tensão intensa que vêm de todos os lados; uma mistura de um amor muito grande pelas coisas que são genuinamente nossas e, ao mesmo tempo, um enorme impasse que vem, também, de relações muito peculiares entre as pessoas. Relações que existem, na sua forma, apenas no Brasil e que todas essas coisas, relações e pessoas estão interligadas em uma grande rede.

Por este caminho, Kleber domina não só a linguagem do cinema, aquela clássica e a mais contemporânea, mas faz um caldeirão de gêneros. O terror misturado com a ação, filme de crime e faroeste. O cineasta se utiliza das convenções dos gêneros de acordo com o que quer retirar de quem o assiste. No cinema de Kleber, tanto neste, como em O Som ao Redor, não há limites ou fronteiras, tudo se mistura, e o critério parece ser, neste filme, o de arrancar os medos e amores, que são nossos. Brasileiros.

Isto, parece ser a grande batalha da protagonista, Clara. Uma mulher que luta pelas suas memórias, pelo afeto que mantém sobre as coisas que fizeram e são parte da sua história. Os vinis, os móveis e o próprio apartamento no edifício Aquarius, que foi palco de grande parte dos acontecimentos da sua vida. Uma personagem forte; de garra, trazida com força e humanidades ímpares por uma das maiores atrizes brasileiras em atividade, Sonia Braga. Uma mulher que se recusa a entregar aquilo que há de mais valioso neste mundo para ela

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É engraçado, como as memórias boas e ruins se misturam até ficarem indissociáveis. As duas, revelam diversas faces da natureza estrutural da cidade do Recife, que podem ser ampliadas, muitas vezes, para o Brasil. O coronelismo, rixas entre famílias diferentes e dentro das próprias famílias; a “cordialidade”; tudo se apresenta junto e parecem ser, como são apresentadas, duas faces da mesma moeda. A memória, traz consigo um lado bom e um lado ruim.

De toda esta linguagem, o que chama mais atenção, e que talvez se possa dizer, é o resumo deste cinema, é o uso do Zoom; movimento aproximar e afastar através da lente. Kleber é o Robert Altman brasileiro; talvez ainda mais forte que ele; não só no sentido de dominar essa técnica, mas de usa-la como uma forte ferramenta de expressar o que quer. O vai e vem das lentes, as vezes de maneira imensamente rápida e violenta, é de tirar o fôlego. Deslocam com brutalidade; retiram da zona de conforto. Trazem de uma realidade a outra, de um espaço a outro; do amor ao ódio.

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Da parte do amor, a música resgata a maior parte deste sentimento, me pareceu. Aliada fortemente a memória e a nostalgia que é muito particular as pessoas que vivem neste pais, todas elas parecem guardar um pouco da essência das nossas relações e de nós mesmos. Algumas das músicas, tanto na letra quanto na melodia, resgatam o lado mais carinhoso destas lembranças. “Eu passei muito tempo aprendendo a beijar outros homens; como beijo meu pai…”, quando cantado por Gilberto Gil; causa arrepios e lágrimas das experiências de cada um dos personagens; quando, na cena em que aparece, todos param o que estão fazendo para ouvir a música. E todos parecem lembrar de algum momento que faz amargar o coração por aquilo já ter passado; por ser memória e não poder voltar mais. Como são as coisas na vida.

Kleber traz com este filme, um grande refresco para o cinema brasileiro. Certamente será um dos filmes mais elegantemente diferentes do ano e tão importante, visto a falta de risco tomado por uma grande maioria de filmes que passam, recentemente, pelo circuito comercial. Se lhe aconselharem a não assistir este filme, qualquer que seja a razão, ignore; não faça isso. Mesmo que não goste depois, esse filme merece mais; merece que o assistam, mesmo que para dizerem mal dele.

Aquarius (Brasil, 2016)

Direção: Kleber Mendonça

Roteiro: Kleber Mendonça Filho

Direção de Fotografia: Pedro Sotero e Fabricio Tadeu

Direção de Arte: Juliano Dornelles e Thales Junqueira

Produção: Emilie Lesclaux, Saïd Ben Saïd e Michel Merkt

 

Festival de Cannes, Primeiro Dia

Apesar do festival ter iniciado desde o dia 11 de maio, os participantes do ShortFilmCorner (esquina dos filmes), que é a categoria do meu filme Domingo, tiveram acesso ao festival apenas a partir do dia 16, quando foi aberto um espaço do festival para esta categoria.

Neste dia, além de conhecer boa parte dos meus conterrâneos e companheiros de categoria lá, assisti a três filmes e conheci um pouco mais do festival. A primeira impressão foi forte; visto que nunca estive no festival de Cannes, e a escala, jeitos, tamanhos e costumes me impressionaram.

Tudo dentro do festival é muito grande. O luxo é desnorteador, de maneira que é fácil se perder nisso, ainda mais se esta for a sua primeira vez no festival. A infraestrutura chama atenção para si mesma; e as companhias que as fornecem, parecem compartilhar um pouco do ideal do festival de Cannes; o diferencial, “produto de arte”, o bem acabado, etc… As logomarcas são estampadas por vários espaços do festival, corredores, paredes… lugares por onde passa muita gente. Nespresso, Renault, HP, etc…

Entre enormes estandes de companhias de cinema, agentes de compra e venda de filmes e pessoas notórias transitando; é possível se perder e sentir-se sem rumo. Num primeiro olhar, isto parece uma vantagem, um local fácil para vender os filmes. E de certa forma é; talvez não no meu caso, que vim com um curta metragem experimental, mas talvez para quem tem um longa rodado, realizado ou mesmo um projeto de longa metragem já todo idealizado. É algo que gostaria de tentar no ano que vem, se for ao festival com meu segundo curta metragem, o melhor dia do ano; que já foi todo rodado.

O que mais me chamou atenção, porém, foram duas situações que revelam um pouco mais afundo sobre o que é este festival.

A primeira é bastante caricata, mas bastante real. É possível avistar, 80% do tempo em que se transita pelas ruas próximas ao festival (que são muitas), pessoas carregando placas e papéis com súplicas por ingressos de premières; coisa que é necessária caso alguém não tenha credencial e queira assistir aos filmes. Alguns chegam a ser tragicômicos, apelando para o lado mais emocional, oferecendo abraços e beijos, e despertando, pelo menos em mim, pena desses indivíduos que ficam horas e horas em pé sem muito o que fazer.

A segunda situação, acontece apenas em uma faixa de horário. Mais por volta das 16:00-18:00, quando as primeiras pessoas bastante famosas começam a chegar (elas entram em carros de janela fumê e pelo tapete vermelho). Pessoas como Mel Gibson, Kristen Stewart e Woody Allen. Há sempre um enorme aglomerado de gente em frente a região em que ficam esses famosos, de forma que em horário de pico é perto do impossível transitar por ali (eu, sem saber disto num dos primeiros dias, consegui atravessar esse mar de gente, após centenas de “Excuse me” e “Pardon”).

Essas situações sempre causavam em mim uma espécie de epifania sobre a natureza do festival. Parece que Cannes tem mais haver com prestígio e a parte mais comercial, centrada nas figuras das estrelas, e cada vez mais menos com cinema. Mesmo que o festival tente se vender como um de elegância diferenciada, mais específica e refinada que Hollywood; dentro disso, Cannes parece ter criado seu próprio nicho; sua versão do sistema de estrelas, centrado em um padrão de filmes, atores, atrizes, diretores e diretoras. E o público parece acompanhar essas ideias, correndo atrás desses mitos fabricados.

 

Dos Filmes

 

Eu assisti a três filmes. Cinema Novo, filme de Eryk Rocha; Hissein Habré, a chadian tragedy, de Mahamat-Saleh Haroun e One Eyed Jacks, único filme dirigido por Marlon Brando.

 

Cinema Novo

 

O primeiro é um documentário experimental sobre o cinema novo. Experimental por que não busca uma abordagem objetiva sobre este cinema, mas criar uma espécie de ensaio que busca o sentimento de inquietação que aquele cinema buscava.

Nesse sentido, é um sucesso. A emoção ao ouvir a voz de gênios como Glauber Rocha (Pai de Eryk), Joaquim Pedro de andrade, Walter Lima Jr e Eduardo Coutinho é grande. São figuras centrais do cinema brasileiro e poetas que marcaram não só o cinema nacional, mas o mundial com sua sensibilidade, visão e violência na forma únicas.

Em meio a relatos desses indivíduos, no calor do momento, já que são relatos dos anos 60, 70  e 80, enquanto realizavam filmes. Eryk constrói uma poesia ao redor do que foi e do que significou esse movimento do cinema brasileiro. Mais do que isso, o cinema vira um personagem com seus medos, angústias e paixões., englobando ai, todos os cineastas que fizeram um cinema relevante nessas décadas.

A vontade de escapar; fugir. A desesperança, frustração, contradição e lamento são sentimentos construídos pelo filme de Eryk Rocha e que permeiam todos os filmes dos cineastas desta época. Todos eles parecem ter uma unidade poética, que traduzem sentimentos necessariamente brasileiros e que dizem respeito muito ao que se sentia durante aqueles anos neste pais.

 

Hissein Habré, a Chadian Tragedy

 

O documentário Hissein Habré, a chadian Tragedy, trás a história de um prisioneiro político, que foi torturado barbaramente durante a ditadura de Chade e criou um grupo para os companheiros também vítimas de tortura. Durante o filme, vários presos relatam episódios da sua experiência na prisão; compartilhando entre eles o enorme sofrimento e trauma que sentiram e sentem, advindos dos seus anos na prisão.

Presente na sala em que o filme foi projetado, em Cannes, o protagonista do filme foi aplaudido por pouco mais de 4 minutos ininterruptos. Emocionado, ele sorria e olhava as pessoas da sala; lisonjeado com o envolvimento e reconhecimento das pessoas, sem dizer uma palavra.

Isto foi uma síntese do efeito causado pelo documentário e do seu poder nas pessoas que o assistiram. A forma parece desaparecer, e o que resta é o conteúdo; afinal, a história de dor, tanto física como psicológica, quase insuportável que é colocada de lado, de uma certa forma, a favor da vida ou da tentativa de viver; é bela demais. E mesmo que a forma seja repetitiva, ou lugar comum, uma vez ou outra, isso cede a grande história de sofrimento e superação presente nas vítimas da ditadura militar no Chade.

 

One-Eyed Jacks

 

O terceiro, One-Eyed Jacks; foi uma retrospectiva. Como já dito, foi o único filme dirigido por Marlon Brando. Uma iniciativa promovida por Martin Scorsese e Steven Spielberg, junto a The Film Foundation (Fundação presidida por Martin Scorsese) para restaurar o filme.

O filme rodado em Vista Vision, processo de obtenção de uma imagem mais larga que o normal (Widescreen), que consistia em trocar o filme de lado. Em vez de ser rodado de lado, como geralmente era, o negativo era rodado de frente. Um processo que foi utilizado entre meados dos anos 50 e início dos anos 60, majoritariamente pela Paramount, estúdio que desenvolveu o processo.

One-Eyed Jacks foi o último filme a utilizar este processo. Reunindo, então, diversos fatores que se agregam para tornar este filme especial. Uma grande melancolia pareceu sempre pairar no fundo, advinda das próprias emoções dos personagens, talvez, mas que pra mim vem dos sentimentos daquela época e do próprio Brando, afinal os anos 60 foram uma época de grande insegurança tanto para os estúdios como para qualquer outra pessoa normal. E além disso, época de grande forças ideológicas e revoluções.

Essa grande paixão é sempre vista nos atos de todas as pessoas do filme. Cada olhar, cada arrastar de pé ou respiro contém uma enorme quantidade de violência e paixões contidas. Não tão somente pela direção de Marlon ou da sua aparição na tela, que é frequente, incandescente e absolutamente genial; mas, me pareceu, pela atmosfera da época.

Este parece ser um dos fatores únicos do filme. Um que não externo a ele. Além de ser o último filme em Vista Vision, último filme de Marlon Brando e uma de suas atuações mais explosivas; traz um sentimento não tão comum. Ainda mais sustentado por mais de duas horas. Nesse sentido, One-Eyed Jacks soa como um épico apaixonado, no sentido mais amplo, em que tudo e todos parecem guardar algum rancor, algum ódio ou alguma paixão e estão prestes a explodir da forma mais insana e brutal possível.

Pedido de Apoio

o melhor dia do ano

 
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Procura Insaciável

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Um dos trabalhos mais originais de Milos Forman nos EUA. O primeiro filme do Tcheco no país parece embalsamar pelo menos uma parte do espírito da juventude daquela época (anos 60) e a incompreensão geral da sociedade com o que acontecia ali. Uma espécie de confusão generalizada sobre si mesmo; o que parece óbvio para nós hoje, olhando de fora, contado por quem estava de dentro, trás consigo uma espécie de melancolia; desespero em relação a algo que parecia indecifrável.

Essa sensação de confusão parece vinda, em grande parte, da ordem imprevisível em que as imagens aparecem, em algumas ocasiões. A grande sequência de testes de canto é justaposta a busca dos pais pela sua filha que, supostamente sumiu (em alguns momentos me pareceu que a menina está em casa e os pais só acharam que ela foi embora). Não apenas confusão espacial ou temporal, mas isto cria um sentimento estranhamente engraçado; absurdo, já que, por fora, aquelas imagens não parecem ter nada haver umas com as outras.

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É claro que, ao decorrer do filme, pelo menos para mim, foi ficando um pouco mais claro a relação criada com o embate entre as imagens. Soa mais como um comentário sobre a natureza daquelas pessoas; pais e filhos. Afinal, não são tão diferentes assim. Em alguns momentos buscam por prazeres e diversão, em outros, apenas um momento de paz e solidão; em silêncio.

Os pais buscam entender seus filhos, mas ao passar do tempo fica claro para quem os assiste, que eles são incapazes; já que perderam o entendimento até em relação a si mesmo. Já não há intimidade ou amor profundo no casamento; nem uma conversa sincera. Pelo lado dos filhos parece haver uma vontade muito grande de não compartilhar o que sentem; Além disso também parecem, as vezes, perdidos em relação a sua consciência. Como se houvesse um descompasso entre o seu interior e a sua capacidade de se expressar. Como se seus sentimentos fossem água e a mangueira que a expele é muito fina para o líquido sair.

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Essa confusão na ordem dos acontecimentos é reforçada pelo tempo dos cortes. A montagem, sempre rápida, ás vezes se aproxima de um piscar de olhos; mal dando tempo de reconhecer o que aparece na tela. A história, claro, parece se dissolver; e o que fica é o humor provocado pelas reações dos personagens, produzidas pelo elenco maravilhoso (Buck Henry é um dos rostos mais engraçados que já vi em tela; Lynn Carlin Também, além de ter um dos sorrisos mais graciosos).

Neste sentido, Forman e o montador (John Carter) brincam com a continuidade; a relação entre uma imagem e outra. Olhares são trocados entre imagens que acontecem em lugares e tempos diferentes, criando um humor visual estranho e hilário. As próprias transições entre as cenas são fonte deste tipo de humor, inesperado; como quando Lynn dança bêbada num quarto de hotel e o próximo plano é um grupo aplaudindo, numa convenção em outro lugar.

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Além desse ritmo próprio e um certo deslocamento causado pela velocidade que as imagens aparecem; há também uma sentimento de desorientação, já que algumas das passagens com algum tipo de humor acontecem em planos ininterruptos; sem cortes. Onde há algumas passagens rápidas é nas interações que fazem a história ir para frente. O ritmo vai e vem como uma onda e os aspectos se aglomeram num resultado estranho e único.

Talvez o mais interessante disso tudo é como algumas passagens são dolorosas. No sentido de revelar verdades feias sobre o descompasso entre as gerações. É um riso estranho. Procura insaciável é um daqueles filmes que, como realizador, tem de se assistir de tempos em tempos; talvez quando alguém se sinta triste ou desencorajado. Ver filmes tão diferentes e com tanta audácia faz com que se queira ser audacioso(a) e dá energias para tentar algo novo.

 

Taking Off (Procura Insaciável, EUA, 1971)

 

Direção: Milos Forman

Fotografia: Miroslav Ondricek

Roteiro: Milos Forman, John Guare, Jean-Claude Carrière, John Klein

Montagem: John Carter

Elenco: Buck Henry, Lynn Carlin, David Gittler…

Duração: 93 min.