Dublar ou não dublar?

A questão não é se devemos dublar ou não. Alguns grupos, como pessoas, incluindo crianças, que não dominam a leitura e pessoas com dificuldade de enxergar precisam da dublagem para ter uma experiência muito melhor (importante dizer que pessoas com deficiência visual NÃO se enquadram aqui, já que necessitam de audiodescrição). O que se deve rechaçar é a totalidade ou maioria das copias dubladas; quando o acesso as copias legendadas se torna difícil ou impossível.

Os cinemas, em alguns casos, privilegiam a dublagem em detrimento da legendagem, o que é errado e abominável. Em algumas ocasiões, colocando as copias legendadas em menor disponibilidade e nos piores horários, e em outras, como no caso das animações, disponibilizando apenas copias dubladas. As distribuidoras cometem, até, o absurdo de colocar uma cópia dublada nas cabines de imprensa. Como e por que um crítico irá julgar a dublagem que não foi supervisionada pelo diretor do filme e, na maioria dos casos, sequer recebeu sua aprovação?

Fora a inclusão de grupos com problemas sérios com a legenda (se esqueci de mencionar algum grupo me desculpem) os argumentos que geralmente são utilizados para se defender a dublagem não se sustentam. De um ponto de vista puramente artístico, a dublagem é indefensável. Você já deve ter ouvido que com este processo se perdem faixas do áudio original, bem como uma boa parte da performance do ator, algo que deturpa o significado da obra, ou seja, se você está assistindo uma obra dublada, não está assistindo a versão original, mas sim uma segunda versão modificada.

E pior que isso, perde-se toda carga cultural que se tem na dicção e na maneira de projetar o diálogo. Algo que é uma das maiores mágicas do cinema, o poder de transportar o espectador a outro espaço e a outro tempo. Você deve ter reparado, ao assistir um filme estrangeiro, como as pessoas falam e se projetam de uma maneira muito peculiar. Isso é ressaltado nas culturas mais diferentes da nossa; de como um japonês conversa de uma maneira diferente, ou como um francês pede uma cerveja num bar de uma forma, diferente de um americano; esse poder de colocar o espectador em contato com uma cultura completamente diferente, sem fazê-lo levantar da cadeira, se perde completamente na dublagem.

A pior consequência desse processo é, porém, o desrespeito ao cineasta. Por mais que se queira defender a qualidade dos dubladores nacionais, nem eles e nem o estúdio de dublagem tem o direito de alterar uma obra de arte. E sim, eu sei que as distribuidoras escolhem os estúdios que irão realizar este processo, mas independente disso, a dublagem é um processo que, por natureza, deturpa o filme e não é vistoriado ou pensado pelo diretor, mas por terceiros, que tem pouco ou nenhum compromisso com a arte cinematográfica.

A Inglaterra e todos os países nórdicos, por exemplo, tem uma posição mais honesta, mais justa e comprometida com a arte. Dublam apenas os filmes com público alvo infantil, e deixam o resto dos filmes legendados. Essa seria a melhor opção, alterando-se apenas que, no caso dos filmes não infantis, as copias dubladas estivessem disponibilizadas em número menor que as legendadas. No geral, o público que necessita de dublagem é muito inferior (numericamente) ao público que não necessita.

E não adianta vir com a desculpa de que se perde informação na hora de ler a legenda. Perde-se MUITO mais dublando; a perda de quando se desvia o olhar para ler e do espaço que a legenda ocupa é ínfima e, por favor, não vamos ser desonestos em dizer que não se consegue ler a legenda e prestar atenção na imagem. Conheço diversas pessoas que conseguem fazer isso, além do mais, o olho humano tem a incrível capacidade de mudar para onde se olha em frações de segundo.

Para combater essa imposição que os estúdios estão impondo atualmente, assim como Pablo Vilaça em seu artigo contra a dublagem, sugiro que boicotem. Se você tem respeito e amor pelo cinema boicote esses filmes que não tem opção legendada, e se preciso for Baixe. E não, não é elitismo, é simplesmente defender a arte que todos nós amamos.

Por Alan Leonel

Passos na Noite

where-the-sidewalk-ends-movie-poster-1950-1020413541Passos na Noite (Where the Sidewalk Ends, 1950) é, ao mesmo tempo, um filme que segue e não segue as “regras” que se convencionou como características de um Noir. Tem no seu esqueleto chapéus e cigarros, sombras e disparos, claro, mas é a prova viva de que o que se denomina Filme Noir é um estado de espírito e não um gênero. Esses filmes podem ter elementos recorrentes e até serem muito parecidos, mas não precisam seguir fórmulas ridiculamente estabelecidas para serem enquadrados em uma “categoria”, que sequer existe. Prefiro dizer que os filmes dos anos 40 e 50 deixaram uma contribuição incomensurável para o cinema, e que até hoje, são inspiração para os cineastas.

A chave é entender o que essa leva de filmes têm como característica central a sua maneira de retratar a sociedade. O sentimento de aprisionamento, a desesperança, a visão de um mundo corrompido em que se age apenas por interesse são os aspectos mais fortes desse cinema e os aspectos que são mais capazes de aproximar um filme a outro. A maneira de retratar essas visões e angústias, é claro, diferem de filme para filme, mas o alto contraste e as formas pontiagudas parecem predominar, embora não se deva caracterizar esses filmes de acordo com essa estética.wherethesidewalkends2Nesse sentido, Passos na Noite retrata desde os primeiros planos estes sentimentos. Vemos partes de calças e sapatos sociais transitando pela calçada até chegar a um bueiro por onde corre o que tem de mais sujo naquela cidade. Durante esse percurso, os sons dos carros e suas buzinas denunciam uma metrópole caótica em que se perdeu o senso de coletividade e cada um vive por si. Ao longo do filme acompanhamos o detetive Dixon (Dana Andrews) durante uma jornada trágica e reveladora, se relacionando com mafiosos e uma polícia ineficiente. O destino do detetive parece inevitável. Parece estar fadado a se tornar como o pai, um criminoso que morreu tentando escapar da cadeia quando Dixon tinha 17 anos. Embora seu grande objetivo seja movido por motivos pessoais, na maioria das ocasiões revela-se como um sujeito correto. Age dessa maneira até quando comete um crime e tem a oportunidade de confessa-lo ou mentir, e para se safar, acaba escolhendo a segunda opção.Dana Ai parece ser sublinhado o maior tema do filme. Basta apenas uma situação em que se tenha a opção de contar a verdade ou mentir, para que uma pessoa se torne criminosa. Dixon, que de inicio tem ojeriza a criminosos e quer coloca-los na cadeia a qualquer custo, acaba se tornando um, até em um momento aparecendo com um bandeide no rosto, assim como usava o criminoso que ele assassinou. O filme pede a opinião do espectador quando nos demonstra esta situação e o contexto em que o detetive se encontra. Se coloque no lugar dele; cometer um crime sem intenção, sabendo que a polícia é ineficiente e o seu universo é injusto. Como proceder diante dessas circunstancias?

É revelador como quando o detetive tem a chance de escapar impune, acaba confessando o crime e sendo preso. Algo que demonstra bastante da relação que tinha com o pai. O instinto de se afastar do destino que ele teve fala mais alto e Dixon opta por confessar. Não por altruísmo ou senso de justiça, mas simplesmente por ter o pai como um exemplo bastante negativo.gary-merrill-wherethesidewalkends-3Otto Preminger movimenta a câmera como um virtuoso. Seus travellings (deslocar a câmera no espaço) passeiam entre os atores graciosamente, entendendo perfeitamente os personagens e seus objetivos. Em uma cena, quando o detetive descobre que o mafioso está morto, a câmera se aproxima lentamente do rosto de Dixon para enxergamos seu pior medo e desespero profundo em estar se aproximando do pai.

O uso da música, de forma a incorpora-la como uma ferramenta para acrescentar realismo é fantástico. Pode-se ouvir Para Elisa, de Beethoven, enquanto o detetive tenta carregar um corpo nos ombros sem ser notado. Nos é revelado, depois, que uma senhora que mora ao lado escuta música enquanto dorme. Contrapõe-se completamente o sentimento daquelas imagens, se adicionando uma camada de realismo e subjetividade a elas. Uma das coisas que mais me impressiona no filme é a maneira de retratar as brigas. Por meio do realismo, esses conflitos físicos são apresentados com violência. Em alguns momentos ouve-se apenas as respirações ofegantes de quem briga e o barulho do contato de seus corpos. A reação aos golpes é natural e crua, de uma maneira que não se faz mais. Na maioria do cinema que assistimos, as brigas parecem cada vez mais e mais ensaiadas e artificiais, não mais o conflito em si, mas sua caricatura. Nada poderia combinar mais com o tom desesperançoso, individualista e enclausurado do filme, que um conflito físico que demonstra não diversão ou entretenimento, mas medo, angústia, dor e uma vontade desesperada de escapar daquilo.tumblr_llat84LSqo1qhlul0o1_500 Passos na Noite (Where the Sidewalk Ends, EUA, 1950)

Direção : Otto Preminger

Roteiro : Ben Hecht

Atores : Dana Andrews, Gene Tierney, Gary Merrill…

Duração : 95 min.

O Poderoso Chefão

UMMesmo depois de mais de quatro décadas, O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), continua soando novo, fresco. Como se tivesse saído agorinha da sala de montagem. E a que se deve todo esse frescor? Bem, para mim, isso pode ser atribuído a diversos fatores que suscitam esse sentimento verídico, original e violento que o cinema dos setenta tinha.

Na obra, todas as ferramentas fílmicas são utilizadas a favor da narrativa, retratando não só o seu universo objetivo, mas a subjetividade dos seus personagens. A luz é uma dessas ferramentas que são usadas com maestria, e dela vem uma das maiores contribuições na retratação da época, lugar e sentimento.

É engraçado como a luz, em O Poderoso Chefão, funciona como uma espécie de exaltação da direção de arte, representando a época em que o filme se passa. A cor da luz, puxada no amarelo, se aproveita da associação que fazemos da luz próxima a essa cor com o antigo. Talvez isso venha dos bulbos de luz primitivos, não tenho certeza, mas de fato funciona e quase todos os interiores remetem a um lugar antigo, como se estivéssemos vendo um filme rodado nos anos 40.DOISA cor funciona, também, para exaltar os tipos italianos dos personagens. A pele aparenta ser mais corada, algo que estabelece aquele universo como um ítalo-americano por excelência, e a máfia como uma herança siciliana. O sentimento antiquado da luz trás um comentário inteligente sobre a natureza daquela organização criminosa. O lugar pode ter mudado, mas as práticas continuam as mesmas.

Para mim, o comentário mais interessante é sobre o arco dramático do protagonista, Michael Corleone. A luz muda, a cada momento do filme, de acordo com o que Michael sente. Essa mudança é uma das várias coisas que impressionam pela beleza e poesia com que são manipuladas. Prestando atenção nesses aspectos enquanto assistia o filme, repetia diversas vezes mentalmente: que filmaço…

Quando Micheal tem os primeiros contatos com a máfia, pouco antes dos assassinatos de Sollozzo e McCluskey, ele é retratado sempre com uma iluminação clara de um lado do rosto e quase que totalmente escura de outro. Isso condiz com o que o personagem sente naquele momento. Michael está divido sobre o seu envolvimento com os negócios; em dúvida se deve adentrar ou não aquele universo. Por isso o rosto fica sempre divido em claro e escuro.

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Já na Sicília, depois dos assassinatos, Michael é retratado com uma luz mais uniforme, porém, sempre com algum contraste. Mesmo afastado da meca da máfia, ele ainda sente a presença dela. Apesar de um pouco mais de paz e de estar mais seguro da sua posição, ainda tem que se proteger e o fantasma da máfia sempre paira ao seu lado.

QuatroQuando Michael volta e assume, de vez, os negócios da família, seu rosto passa a ser quase que uniformemente iluminado, de forma que se pode ver suas expressões com mais clareza. Ele não tem conflitos nem dúvidas sobre o seu envolvimento na máfia. Mais para perto do final, Michael adquire uma sombra característica nos olhos. Mesma iluminação que foi usada para o seu pai, Don Corleone, e que estiliza a figura dos dois, bem como imprime um semblante fantasmagórico e que comenta sobre a natureza impiedosa dos dois Dons. O que é mais forte, porém, é que essa iluminação completa o arco dramático de Michael, que se diz diferente da família, mas, no final, acaba substituindo o pai e se tornando o novo Don Corleone.FINAL CARALHO

Sangue Azul

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Há algo de mágico e sensual em ver um grupo erguendo um circo, em que, horas depois, performarão seus números em frente a uma plateia. O que acontece naquela ilhazinha sempre é cercado de uma aura mística, nostálgica e ao mesmo tempo amarga. Quase como se o filme quisesse nos dizer algo sobre aqueles personagens, mas o que tem a dizer é tão complicado e ramificado, que precisa dar voltas poéticas ao redor da nossa percepção, de um jeito que ficamos hipnotizados observando esse movimento.

Guardada as devidas proporções, Sangue azul tem as características que se espera de um filme de Fellini ou Renoir, talvez, um pouco dos dois. Despertando tanto as emoções mais simples e passageiras, dessa forma nunca ficando monótono, mas também aquelas mais complexas e mágicas, as quais a descrição com palavras se torna difícil.

As imagens do filme possuem uma qualidade etérea, o que torna difícil desgrudar o olho da tela por um segundo sequer. Em um momento vemos Zolah (Daniel de Oliveira) e Raquel (Caroline Abras) mergulhando na imensidão do mar, passeando pelo seu infinito azul de pedras e peixes, no que é um dos elementos recorrentes do longa. O mar é uma metáfora para o interior de Zolah e suas origens. Uma questão mal resolvida que ele se recusa a enfrentar. Dessa forma é interessante reparar como o protagonista tem medo do oceano e se recusa a adentra-lo, algo que remete não só a ilha e um medo de encara-la, mas a relação com a sua mãe, que é simbolizada pela água quente, confortável e que é o ambiente de morada dos bebês antes de nascer.Sangue azul 3E mesmo que essa associação não seja tão fresca desde 8½ (Fellini), no filme funciona, majoritariamente, porque há uma série de consequências e outras questões atreladas a ela. Não só o protagonista tenta contornar esses problemas com sexo, drogas e álcool, mas chega até a adotar Zolah como nome, em função do original, Pedro. E isso é bastante revelador do seu psicológico. Não só muda de nome para cortar qualquer laço que tinha com a sua ilha natal, mas utiliza um nome cosmopolita, que sugere um cidadão do mundo, alguém que, como nos é revelado em um ponto do filme, viaja por diversos lugares passando por diversos países e conhecendo diversas pessoas, talvez, tentando substituir suas ligações antigas e duradouras por outras mais curtas e efêmeras.

Dessa maneira é engraçado perceber que o circo age como uma espécie de incitador da história, forçando Zolah a voltar para a ilha, que age como um purgatório, lugar onde ele será obrigado a resolver seus conflitos passados; pagar seus pecados. Esse caminho se assemelha a uma jornada, já que vemos o protagonista evoluindo cada vez mais em relação a resolução dos seus dilemas. Aqui, a água tem um grande papel nesse senso de um longo trajeto a ser percorrido. Zolah inicia com pavor da profundidade do mar, mas acaba conseguindo superar seu medo e adentrando a imensidão azul.S.A 4Em uma cena, Zolah retorna a casa da mãe para um lanche. O clima é tenso e ao mesmo tempo extremamente reconfortante e terno. Bolinho de chuva, suco e bolo na mesa. Rosa (Sandra Corveloni), a mãe, confronta o filho sobre o porquê de ele ter saído de casa. Zolah se mantém calado; irritado, mas ao mesmo tempo um pouco triste com aquela situação. A casa é pequena, pintada de branco e com arcos. Eletrodomésticos antigos na cozinha e mobília artesanal, uma casa de praia clássica e nostálgica. Zolah se levanta em direção á um quarto, provavelmente seu na infância. Um quartinho pequeno e aconchegante com uma cama de solteiro. De repente, ele abraça a cama, como quem se protege, e começa a chorar copiosamente. Um sentimento tão puro e tão lindo, que todos conseguimos nos relacionar. Sentimos a dor dele, através daqueles gemidos tristes de alguém que encontra um porto seguro depois de tanto tempo longe de casa.

O elenco gigantesco, em tamanho e talento, serve de cola para todos os aspectos da narrativa, bem como a trilha sonora, que é lidíssima e brilhantemente selecionada, valorizando composições nacionais. E é lindo como, em alguns momentos, apenas vemos as belíssimas atrações circenses, alternadas pelo público fascinado, algo que é mágico e metalinguístico. Quando olhamos aqueles truques e apresentações ficamos hipnotizados pela beleza e magia que contém, assim como quando assistimos a um filme, na tela grande do cinema.

Por Alan Leonel

Sangue Azul ( Brasil, 2015)

Direção : Lírio Ferreira

Roteiro : Lírio Ferreira, Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira

Elenco : Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Coverloni, Rômulo Braga, Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz. Paulo Cesar Pereio

Duração : 114 min.

De quem é o filme?

Depois de muito tempo refletindo sobre essa questão, a resposta me vem naturalmente. Qualquer que seja o filme, curta ou longa, a partir do momento que é lançado em algum circuito, seja comercial ou em festivais, passa a ser um patrimônio do público e não pode ser modificado.

Quanto a essa questão bato o pé. Qualquer que seja o filme, independente do que aconteceu a ele antes de ser lançado, mesmo se foi picotado por alguém que não o diretor (algo que é abominável) ou se foi censurado, o filme deverá permanecer como estava na primeira vez que foi exibido.

A obra cinematográfica é fruto, entre outras coisas, do contexto sócio histórico em que foi realizada, logo, quando se modifica algum aspecto dessa obra, mesmo que seja  para respeitar a visão do diretor, perde-se esse aspecto e o filme é deturpado. E é importante dizer, que todos os aspectos de um filme comentam sobre esse contexto, não só os personagens, história e temas, mas a forma do filme diz respeito a o que quem o realizou estava sentindo e em que contexto vivia (não há problema em corte do diretor ou outra versão do filme, desde que não substitua ou dificulte o acesso do original, é bom frisar).

Há alguns casos em que, acredito eu, há unanimidade em relação a reconhecer a deturpação da obra. Casos como Guerra nas Estrelas Episódio IV (1977) ou THX 1138 (1971), ambos dirigidos por George Lucas e que foram vergonhosamente deformados com inserções de diversos efeitos digitais, alguns desses efeitos chegando até a modificar o sentido original da obra. Como em um dos exemplos mais conhecidos: “Han shot first”.

Já em outro caso, como Spartacus (1960), de Kubrick, a situação é mais complicada. O filme teve uma cena (conheço uma apenas) excluída, pois o estúdio ou um produtor achou que o público não iria aceitar. A cena se trata de uma conversa entre um senhor e seu servo, em que, o senhor insinua uma relação homossexual. Nesse caso, se ganha na fidelidade à visão do diretor, claro, mas em contra partida, perde-se todo contexto sócio histórico que o filme tinha. A ausência do tratamento desse tema nesse filme, bem como em outros, revela os valores que a sociedade americana tinha na época, o que ela considerava moral e imoral, digno ou indigno. Mesmo sendo valores profundamente corrompidos e odiosos, devem estar presentes na obra.

Há, em qualquer filme, um equilíbrio entre diversas forças que atuam nas suas mensagens. Chamo-as de força criativa; as bases do que o filme quer dizer a quem o assiste. O trabalho do diretor, imposições sociais, contexto histórico, entre outros, são essas forças; e quando se altera alguma cena da versão original perde-se algo disto. Pense em um grande castelo de cartas. O castelo inteiro só existe como foi montado, com todas as cartas e no seu arranjo original. E mesmo se retirarmos apenas uma cartinha do topo, mudarmos cartas de lugar ou adicionarmos uma nova carta, por mais insignificante que seja esta mudança, o castelo que resultar não será  mais aquele que se tinha no início.

Por Alan Leonel