Sangue Azul

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Há algo de mágico e sensual em ver um grupo erguendo um circo, em que, horas depois, performarão seus números em frente a uma plateia. O que acontece naquela ilhazinha sempre é cercado de uma aura mística, nostálgica e ao mesmo tempo amarga. Quase como se o filme quisesse nos dizer algo sobre aqueles personagens, mas o que tem a dizer é tão complicado e ramificado, que precisa dar voltas poéticas ao redor da nossa percepção, de um jeito que ficamos hipnotizados observando esse movimento.

Guardada as devidas proporções, Sangue azul tem as características que se espera de um filme de Fellini ou Renoir, talvez, um pouco dos dois. Despertando tanto as emoções mais simples e passageiras, dessa forma nunca ficando monótono, mas também aquelas mais complexas e mágicas, as quais a descrição com palavras se torna difícil.

As imagens do filme possuem uma qualidade etérea, o que torna difícil desgrudar o olho da tela por um segundo sequer. Em um momento vemos Zolah (Daniel de Oliveira) e Raquel (Caroline Abras) mergulhando na imensidão do mar, passeando pelo seu infinito azul de pedras e peixes, no que é um dos elementos recorrentes do longa. O mar é uma metáfora para o interior de Zolah e suas origens. Uma questão mal resolvida que ele se recusa a enfrentar. Dessa forma é interessante reparar como o protagonista tem medo do oceano e se recusa a adentra-lo, algo que remete não só a ilha e um medo de encara-la, mas a relação com a sua mãe, que é simbolizada pela água quente, confortável e que é o ambiente de morada dos bebês antes de nascer.Sangue azul 3E mesmo que essa associação não seja tão fresca desde 8½ (Fellini), no filme funciona, majoritariamente, porque há uma série de consequências e outras questões atreladas a ela. Não só o protagonista tenta contornar esses problemas com sexo, drogas e álcool, mas chega até a adotar Zolah como nome, em função do original, Pedro. E isso é bastante revelador do seu psicológico. Não só muda de nome para cortar qualquer laço que tinha com a sua ilha natal, mas utiliza um nome cosmopolita, que sugere um cidadão do mundo, alguém que, como nos é revelado em um ponto do filme, viaja por diversos lugares passando por diversos países e conhecendo diversas pessoas, talvez, tentando substituir suas ligações antigas e duradouras por outras mais curtas e efêmeras.

Dessa maneira é engraçado perceber que o circo age como uma espécie de incitador da história, forçando Zolah a voltar para a ilha, que age como um purgatório, lugar onde ele será obrigado a resolver seus conflitos passados; pagar seus pecados. Esse caminho se assemelha a uma jornada, já que vemos o protagonista evoluindo cada vez mais em relação a resolução dos seus dilemas. Aqui, a água tem um grande papel nesse senso de um longo trajeto a ser percorrido. Zolah inicia com pavor da profundidade do mar, mas acaba conseguindo superar seu medo e adentrando a imensidão azul.S.A 4Em uma cena, Zolah retorna a casa da mãe para um lanche. O clima é tenso e ao mesmo tempo extremamente reconfortante e terno. Bolinho de chuva, suco e bolo na mesa. Rosa (Sandra Corveloni), a mãe, confronta o filho sobre o porquê de ele ter saído de casa. Zolah se mantém calado; irritado, mas ao mesmo tempo um pouco triste com aquela situação. A casa é pequena, pintada de branco e com arcos. Eletrodomésticos antigos na cozinha e mobília artesanal, uma casa de praia clássica e nostálgica. Zolah se levanta em direção á um quarto, provavelmente seu na infância. Um quartinho pequeno e aconchegante com uma cama de solteiro. De repente, ele abraça a cama, como quem se protege, e começa a chorar copiosamente. Um sentimento tão puro e tão lindo, que todos conseguimos nos relacionar. Sentimos a dor dele, através daqueles gemidos tristes de alguém que encontra um porto seguro depois de tanto tempo longe de casa.

O elenco gigantesco, em tamanho e talento, serve de cola para todos os aspectos da narrativa, bem como a trilha sonora, que é lidíssima e brilhantemente selecionada, valorizando composições nacionais. E é lindo como, em alguns momentos, apenas vemos as belíssimas atrações circenses, alternadas pelo público fascinado, algo que é mágico e metalinguístico. Quando olhamos aqueles truques e apresentações ficamos hipnotizados pela beleza e magia que contém, assim como quando assistimos a um filme, na tela grande do cinema.

Por Alan Leonel

Sangue Azul ( Brasil, 2015)

Direção : Lírio Ferreira

Roteiro : Lírio Ferreira, Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira

Elenco : Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Coverloni, Rômulo Braga, Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz. Paulo Cesar Pereio

Duração : 114 min.

Uma consideração sobre “Sangue Azul”

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